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Houve um tempo em que as raízes eram as casas e havia mais raízes que prédios. E havia mais árvores que homens e mais flores que alcatrão. E quando a manhã chegava à hora de vir, trazia o canto dos pássaros e não as buzinas dos carros. Numa noite clara, como esta, um vento antigo segredou-me ao ouvido, que naquele tempo o ar era leve e as árvores ficavam grandes e fortes, muito mais depressa que agora. E depois que vestiam o seu vestido verde de folhas, jamais o despiam. Não sei se isto alguma vez foi verdade, mas foi assim que aquele vento me disse, mesmo antes de sumir por entre as casas adormecidas. Disse-me ainda que o "depressa" e o "devagar" não existiam. Ninguém contava o tempo, nem havia relógios, nem horas. Tudo chegava quando chegava, porque fazia falta que chegasse, nada nem ninguém tinha pressa e nunca havia atrasos. Como o Sol e a Lua, que também nunca se atrasam e sempre chegam. Foi nesse tempo, em que tudo era simples, que nasceu uma menina, de pele morena e uns olhos muito verdes, como as folhas das árvores. A menina foi crescendo e ao mesmo tempo que crescia a menina, uma árvore também crescia. Todo o tempo que podia, a menina passava com a árvore. E a árvore protegia a menina. Por dentro, a menina amava a árvore e a árvore por dentro, amava a menina. Assim começa a história: Era uma vez uma menina que tinha uma árvore, não tinha um gato, nem um cão, nem um pássaro. Tinha uma árvore! Ou talvez fosse a árvore que tinha a menina... Brincavam ao "faz-de-conta-que-sou-uma-árvore". A Árvore brincava tão bem, que a menina sempre perdia! Encostava-se de braços abertos ao seu tronco e ficava quieta, como a árvore. As formigas subiam-lhe pelas pernas e faziam cócegas. E a menina saltava e saltava e sacudia! Mas a árvore não. E a menina perdia. A árvore nasceu a saber ser árvore e a menina a sonhar que o seria. O tempo passava sem que ninguém o contasse e um dia a menina, deixou de ser menina, nunca mais brincou ao "faz-de-conta-que-sou-uma-árvore" e resolveu brincar a ser menina. Partiu para longe, muito muito longe! A árvore, ao ver que a menina não chegava quando devia, entristeceu. A melancolia pintou-a de dourado. E subitamente, embaladas nos braços do vento, uma a uma, todas as folhas caíram. Quando a primeira folha tocou o chão, o homem conheceu a tristeza, a nudez... a melancolia. E começou a contar o tempo. E inventou a palavra "saudade". Foi então que todas as árvores se despiram...

Sónia Micaelo

 

 

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